A parceria entre sociedades de advogados é uma prática comum de mercado.
Muitas vezes, a complexidade dos problemas enfrentados pelos clientes exige a expertise em diferentes áreas do Direito, ultrapassando os limites de atuação de uma única banca.
Além disso, é comum ocorrer a indicação de clientes de uma banca para outra, ocorrendo um repasse de honorários entre as sociedades.
Com a promulgação da Lei nº 14.365/2022, que alterou o Estatuto da Advocacia, passou a ser possível o repasse de honorários entre sociedades de advogados, de tal forma que cada sociedade pode tributar apenas a parcela da receita que efetivamente lhe couber.
O objetivo desse post é explorar as problemáticas na operacionalização fiscal do repasse de honorários entre sociedades de advogados.
Alterações promovidas pela Lei nº 14.365/2022
A Lei nº 14.365/2022 incluiu os seguintes dispositivos no Estatuto da Advocacia:
Art. 15, § 9º A sociedade de advogados e a sociedade unipessoal de advocacia deverão recolher seus tributos sobre a parcela da receita que efetivamente lhes couber, com a exclusão da receita que for transferida a outros advogados ou a sociedades que atuem em forma de parceria para o atendimento do cliente.
Art. 22, § 8º Consideram-se também honorários convencionados aqueles decorrentes da indicação de cliente entre advogados ou sociedade de advogados, aplicada a regra prevista no § 9º do art. 15 desta Lei.
Como é possível verificar, não há margem para qualquer dúvida razoável que, com a promulgação dessa Lei, é plenamente possível que cada sociedade tribute apenas a parcela que lhe couber da receita de serviços prestados em parceria, ou seja, excluindo da receita os repasses realizados a outras sociedades, seja pela prestação do serviço em parceria, seja pelo pagamento de fee pela indicação do cliente.
No entanto, existem alguns desafios práticos na implementação do dispositivo legal acima, que passaremos a abordar a seguir.
Emissão das Notas Fiscais
A situação mais comum é que apenas uma das sociedades de advogados emita a Nota Fiscal pelo valor “cheio” para o cliente final. Posteriormente, a outra sociedade de advogados (parceiro), emite uma Nota Fiscal contra a primeira sociedade de advogados para receber a parte que lhe cabe dos honorários.
Até antes da promulgação da Lei nº 14.365/2022, o procedimento normal era que a primeira sociedade de advogados (que emitiu a Nota Fiscal “cheia”) tributasse o valor integral da Nota Fiscal. Em paralelo, a sociedade parceira, ao emitir uma Nota Fiscal contra a primeira sociedade, tributaria o valor dessa segunda Nota Fiscal, ocorrendo uma tributação em cascata.
Após a promulgação da Lei nº 14.365/2022, os municípios não regulamentaram a forma de emissão das Notas Fiscais de serviços prestados em parceria, o que acaba trazendo insegurança jurídica para as sociedades de advogados.
Caso a primeira sociedade de advogados continue emitindo uma Nota Fiscal “cheia” para o cliente final, entendemos ser possível excluir da receita bruta as parcelas repassadas para o parceiro, mas isso gerará uma divergência entre a Nota Fiscal emitida e a Receita Bruta tributada.
Tendo em vista que as obrigações acessórias ainda não foram adaptadas para comportar o tratamento tributário acima, entendemos que essa divergência de informações poderia desencadear um procedimento de fiscalização (por parecer uma omissão de receitas), cabendo ao contribuinte demonstrar, de forma robusta, a relação de parceria que justifique a referida exclusão da receita.
Não obstante, entendemos ser mais seguro um procedimento em que cada sociedade de advogados emita sua respectiva Nota Fiscal, diretamente contra o cliente final, apenas da parcela que lhe cabe, de forma que não haja divergência entre as Notas Fiscais emitidas por cada sociedade e a respectiva Receita Bruta tributada.
Efeito nas retenções de tributos
Primeiramente, cabe destacar que a Lei nº 14.365/2022 não alterou as regras de incidência dos tributos retidos na fonte, cuja responsabilidade tributária permanecem recaindo sobre a fonte pagadora, no momento do crédito ou do pagamento, conforme a legislação atual.
Caso as sociedades de advogados adotem aquele procedimento mais seguro, ou seja, cada sociedade emitindo uma Nota Fiscal diretamente contra o cliente final, não haverá nenhum problema nas retenções de tributos, já que o cliente irá proceder com a retenção e o recolhimento dos tributos na fonte em relação a cada Nota Fiscal.
Já no outro caso, em que a primeira sociedade de advogados emite a Nota Fiscal “cheia” contra o cliente, ocorrerá uma situação atípica em que o cliente reterá na fonte os tributos sobre a Nota Fiscal “cheia”, em nome da primeira sociedade.
Na medida em que a primeira sociedade excluirá de suas receitas a parcela repassada ao parceiro e, ao mesmo tempo, deduzirá de sua própria apuração os tributos retidos na fonte, entendemos que há um risco de cruzamento de informações por parte da Receita Federal no sentido de que parecerá que o contribuinte está deduzindo um tributo retido na fonte de uma receita não oferecida à tributação.
Por outro lado, se a primeira sociedade deixa de aproveitar parte dos tributos retidos na fonte em sua própria apuração, na prática, é como se a primeira sociedade estivesse arcando com um ônus tributário sobre uma receita que não lhe cabe, já que os tributos retidos na fonte são considerados como antecipação do imposto devido.
Em relação ao repasse realizado pela primeira sociedade para o parceiro, entendemos que também se aplicam as retenções na fonte conforme a legislação vigente. Ou seja, a primeira sociedade retém os tributos na fonte ao repassar os honorários para o parceiro.
Efeito na apuração do ISS
As sociedades de advogados que apuram o ISS sob o regime especial de tributação da Sociedade Uniprofissional (SUP), não terão qualquer problema em relação à tributação do ISS, já que a apuração do ISS é com base na quantidade de profissionais e não com base nas Notas Fiscais emitidas.
Por outro lado, as sociedades que apuram o ISS no regime normal, terão dificuldade de implementar a exclusão dos repasses da base de cálculo do ISS.
Isso porque, de acordo com o art. 7º da Lei Complementar nº 116/2003, a base de cálculo do ISS é o “preço do serviço” e não a “receita“. Na medida em que a Lei nº 14.365/2022 permite a exclusão dos repasses da “receita” da sociedade, não há previsão expressa que permita excluir os repasses do “preço do serviço“.
Por mais que os conceitos de “preço do serviço” e “receita” pareçam similares, onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir (ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus).
Além disso, a maior parte das Prefeituras utiliza um sistema informatizado em que o ISS é apurado automaticamente sobre o valor das Notas Fiscais emitidas, não permitindo ajustes manuais na base de cálculo.
Considerações Finais
Tendo em vista os desafios práticos na implementação da Lei nº 14.365/2022, caso a sua sociedade decida excluir das receitas valores repassados a outras sociedades de advogados, recomendamos que você alinhe os procedimentos fiscais a serem adotados junto à contabilidade.
Além disso, é importante ter a ciência de que o fisco ainda não regulamentou essa matéria, de forma que as obrigações acessórias ainda não estão adaptadas para que seja possível informar esse tipo de operação com transparência.
Por esse motivo, é importante manter a guarda da documentação comprobatória que evidencie a relação de parceria entre as sociedades de advogados, nos moldes da Lei nº 14.365/2022.