São notórios os problemas práticos enfrentados no registro de alterações contratuais das sociedades de advogados perante a OAB, o que acaba impactando no processo de remuneração dos sócios da sociedade. Dentre os problemas, podemos citar:
- O prazo que a OAB leva para registrar uma alteração contratual (às vezes mais do que 30 dias);
- A vedação de uma mesma pessoa figurar como sócio em mais de uma sociedade no mesmo estado;
- A necessidade de inscrição suplementar para sócios cuja OAB seja de outro estado (que também leva mais do que 30 dias);
- Os custos envolvidos na realização de inúmeras alterações contratuais;
- Além do risco de o processo sofrer exigência na OAB.
Além dos problemas enfrentados na OAB, existem problemas práticos enfrentados pela própria sociedade, como, por exemplo:
- A rotatividade de sócios (que às vezes permanecem por pouco tempo na sociedade);
- A dificuldade de obter a assinatura de todos os sócios na alteração contratual;
- A negociação e a apuração de haveres na saída de um sócio (que às vezes se arrasta por diversos meses).
Diante dos problemas citados, é comum que as sociedades de advogados realizem alterações contratuais com um certo intervalo de tempo (por exemplo, a cada 6 meses), o que acaba gerando um descasamento entre a data de entrada/saída do sócio e a remuneração paga ao sócio.
O objetivo desse post é o de comentar cada uma das situações práticas que ocorrem como consequência desse descasamento.
Averbação da alteração contratual na OAB
Antes de seguirmos com a análise das situações práticas, é importante estabelecermos a importância da averbação das alterações contratuais na OAB.
Os artigos 1.003 e 1.057 do Código Civil determinam que a cessão de quotas só terá eficácia com a correspondente modificação do contrato social e só produzirá efeitos perante terceiros com a averbação do respectivo instrumento (no caso, na OAB).
O art. 999 do Código Civil estabelece, ainda, que a sociedade deve requerer a averbação (na OAB) nos primeiros 30 dias a contar da data da assinatura da alteração contratual para que os efeitos retroajam à data da assinatura do instrumento; caso contrário, a alteração contratual só produz efeitos a partir da data da averbação na OAB.
Exemplo 1: A alteração contratual foi datada em 15/abril; foi protocolada na OAB em 14/maio; a averbação da OAB ocorreu em 20/junho. Nesse caso, os efeitos perante terceiros ocorre a partir de 15/abril. Exemplo 2: A alteração contratual foi datada em 15/abril; foi protocolada na OAB em 16/maio (fora do prazo de 30 dias); a averbação da OAB ocorreu em 20/junho. Nesse caso, os efeitos perante terceiros ocorre a partir de 20/junho.
É importante levar em consideração que, sob a ótica tributária, a Receita Federal é considerada um “terceiro” em relação à sociedade.
Dessa forma, uma sociedade de advogados só poderia deliberar a distribuição de lucros a sócios em relação ao período em que a pessoa efetivamente figurou (com eficácia perante terceiros), como sócia da sociedade.
Qualquer rendimento pago em relação a períodos em que a pessoa não seja considerada sócia, não pode ter o tratamento tributário de distribuição de lucros isentos.
Um ponto de atenção é que o art. 1.009 do Código Civil determina que a distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegitimidade.
Agora sim, vamos à análise das situações práticas:
“Sócios” que ainda não entraram formalmente no contrato social, mas que já recebem remuneração
Essa, provavelmente, é a situação mais comum no dia-a-dia das sociedades de advogados.
O tratamento mais conservador é que a sociedade trate essa remuneração como rendimento pago a profissional autônomo, mediante emissão de RPA (Recibo de Pagamento a Autônomo).
A tributação será de 20% de INSS Patronal (exceto se a sociedade for optante pelo Simples Nacional) + 11% de INSS Retido + aprox. 27,5% de IRRF (a depender do enquadramento na tabela progressiva) + ISS (que é cobrado em alguns municípios). Ou seja, estamos falando de uma tributação de mais de 50% sobre os rendimentos pagos.
Alternativamente, se a sociedade vier a dar o tratamento de distribuição de lucros isentos, assumindo o risco de questionamento por parte da Receita Federal, faz sentido que a alteração contratual mencione expressamente a data de ingresso de cada sócio na sociedade.
Por exemplo, vamos supor que uma sociedade esteja realizando uma alteração contratual para a entrada de diversos sócios, sendo que cada sócio ingressou, na prática, em uma data diferente, recebendo distribuições de lucros desde a data do respectivo ingresso na sociedade. Se a alteração contratual não especificar a data de ingresso de cada sócio, a única leitura possível desse instrumento seria no sentido de que todos os sócios ingressaram na data de assinatura do instrumento, o que pode dificultar eventuais defesas futuras.
Cabe destacar que a Receita Federal tem a informação da data de entrada e saída de cada sócio na sociedade por meio do cadastro no CNPJ e das informações declaradas na ECF (Escrituração Contábil Fiscal).
Além disso, a Receita Federal tem a informação da data em que foram distribuídos lucros a cada um dos sócios por meio da EFD-Reinf (Escrituração Fiscal Digital de Retenções e Outras Informações Fiscais), que substituiu a DIRF (Declaração do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte).
Portanto, a Receita Federal tem condições de realizar o cruzamento dessas informações com relativa facilidade.
“Sócios” que entraram e já saíram da sociedade, sem terem entrado formalmente no contrato social
Essa situação, apesar de também usual, é um pouco mais complicada que a anterior.
Na situação anterior, ao menos a pessoa ingressou formalmente na sociedade, de forma que a discussão está apenas no critério temporal, ou seja, a partir de que data seria possível distribuir lucros isentos aos sócios.
Não temos dúvida de que, no entendimento da Receita Federal, só seria possível distribuir lucros isentos a partir do ingresso efetivo do sócio com eficácia perante terceiros (conforme já tratamos anteriormente).
Mas, nesse caso em que o sócio nunca entrou formalmente no contrato social, entendemos que não há nenhuma possibilidade minimamente razoável de tratar as remunerações pagas como distribuições de lucros, sendo que o único tratamento apropriado seria o de pagamento a autônomo, com tributação de mais de 50%.
Uma prática adotada por algumas sociedades é a de realizar uma alteração contratual versando sobre o ingresso e retirada do sócio no mesmo ato, de forma que, ao menos, fique documentada a data de entrada e saída daquele sócio na sociedade.
O problema é que esse procedimento precisa ser feito atendendo aquela regra de que uma mesma pessoa não pode figurar como sócio em mais de uma sociedade no mesmo estado.
Mas, caso esse procedimento seja realizado, caímos na mesma situação prática tratada no capítulo anterior.
“Sócios” que já saíram da sociedade, mas que receberão remuneração futura
Quando o valor da remuneração já é conhecido no momento da saída do sócio da sociedade, a situação é mais fácil, pois é possível que a sociedade delibere a distribuição de lucro, por meio de ata, com pagamento a prazo.
Dessa forma, será possível declarar a distribuição de lucro no período em que a pessoa ainda é sócia da sociedade, ainda que o pagamento fique postergado para um momento futuro, sem que isso gere um risco fiscal.
O problema é quando não se sabe o valor da remuneração, que pode ocorrer, por exemplo, quando a remuneração dependa de eventos futuros.
Nesses casos, a medida mais conservadora é a de dar o tratamento de pagamento a autônomo, com tributação de mais de 50%.
Outra solução possível, com algum risco de questionamento fiscal, é o sócio retirante sair da primeira sociedade, ingressar em uma segunda sociedade e firmar um contrato de parceria entre as sociedades, de forma que a primeira sociedade possa pagar honorários à segunda sociedade (cuja tributação será normalmente de 14,53%); e a segunda sociedade, por sua vez, distribuir lucros isentos ao sócio.