Posso abrir uma empresa só para contratar um plano de saúde?

Atualmente, está cada vez mais difícil contratar um plano de saúde individual/familiar — seja pelo alto custo, seja pela falta de boas opções.

Por esse motivo, tem sido comum as pessoas quererem abrir uma empresa com o único objetivo de contratar um plano de saúde coletivo/empresarial, que costuma ter um custo bem inferior.

Algumas pessoas vão além e abrem uma empresa no interior para se beneficiar de valores ainda menores.

O objetivo desse post é elencar os riscos envolvidos nessa prática.

Risco de Rescisão Unilateral

O risco que nos parece mais evidente é a possibilidade de a operadora de saúde rescindir o contrato unilateralmente, sob alegação de fraude ou ausência de vínculo do consumidor com a empresa contratante do plano.

Já nos planos de saúde individual/familiar isso não ocorre, já que a operadora só poderia rescindir unilateralmente o contrato em casos de fraude ou inadimplência.

Ou seja, se a operadora do plano de saúde coletivo/empresarial constatar que a empresa não exerce, na prática, nenhuma atividade econômica; ou que está sediada em um local fictício; ou que determinado sócio não exerce atividade na empresa, seria possível a rescisão unilateral do contrato por parte da operadora.

Para mais informações sobre esse tema, acesse: https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/noticias/beneficiario/nota-da-ans-sobre-cancelamento-e-rescisao-de-contratos

Risco de Reajuste Abusivo

A ANS define anualmente o limite de reajuste para os planos de saúde individuais/familiares, que é determinado com base em critérios como a variação de custos médicos e hospitalares.

Já os planos coletivos/empresariais não possuem nenhum limite de reajuste estabelecido pela ANS, sendo o valor negociado diretamente entre a operadora e a empresa contratante, podendo variar amplamente.

Por esse motivo, é comum que as operadoras ofereçam planos coletivos/empresariais por preços iniciais menores e, ao longo dos anos, vá aplicando reajustes mais expressivos, fazendo com que o valor dos planos coletivos/empresariais acabem ultrapassando o valor dos planos individuais/familiares.

A ideia original da ANS era no sentido de que as empresas tivessem autonomia para negociar índices de reajuste anual adequados ao contexto da empresa. No entanto, o que ocorre na prática é que as pequenas empresas têm pouco poder de barganha, ficando vulneráveis a reajustes abusivos por parte das operadoras.

Risco de Confusão Patrimonial

Chamamos de confusão patrimonial quando os patrimônios da pessoa física (sócios) e da pessoa jurídica (empresa) se confundem, ou seja, quando não há uma clara distinção entre os ativos, passivos, receitas e despesas de cada um.

Ao abrir uma empresa sem atividade econômica real, visando apenas a contratação de um plano de saúde para a família, isso também poderia ser interpretado como abuso da personalidade jurídica da empresa.

A legislação brasileira, especialmente o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, permite que, em casos de confusão patrimonial ou abuso da personalidade jurídica, o juiz “desconsidere” a personalidade jurídica da empresa, de forma que os bens pessoais dos sócios poderiam ser penhorados para satisfazer eventuais obrigações da empresa.

Em outras palavras, se a personalidade jurídica da empresa for desconsiderada, os sócios podem responder ilimitadamente pelas dívidas e obrigações da empresa.

Riscos Societários

Os planos de saúde coletivos/empresariais exigem que o consumidor tenha um vínculo (ex: sócio, administrador ou empregado) com a empresa contratante. Para incluir os familiares como beneficiários do plano, é comum registrá-los como sócios da empresa.

Ser sócio de uma empresa, implica em assumir responsabilidades perante os demais sócios e perante terceiros, por exemplo:

  • Os sócios podem responder por dívidas e obrigações da empresa;
  • Os sócios ficam impedidos de atuar como Microempreendedor Individual;
  • Em caso de falecimento de algum sócio, as quotas devem entrar no inventário;
  • Em caso de separação conjugal de algum sócio, as quotas devem entrar na partilha de bens;
  • Eventuais débitos de algum sócio podem impactar na análise de crédito de outros sócios, etc.

Riscos Fiscais e Contábeis

Em se tratando de um plano coletivo/empresarial, as mensalidades do plano devem ser pagas pela conta bancária da empresa para mitigar o risco de confusão patrimonial.

Em paralelo, é recomendável que o sócio reembolse a empresa para que o fisco não interprete que o custeio do plano de saúde pela empresa possa configurar uma remuneração indireta paga ao sócio (equivalente a um pró-labore), que estaria sujeita à tributação de INSS e IRRF.

Por isso, é importante que essas operações estejam claramente registradas na contabilidade da empresa, de forma a evitar futuros questionamentos fiscais.

No contexto em que a empresa pague o plano de saúde e obtenha o reembolso integral por parte do sócio, a empresa não deve deduzir a despesa com o plano de saúde na apuração de seus tributos.

O sócio, por sua vez, que reembolsou a empresa pelo custo do plano de saúde, até poderia declarar essa despesa em seu IRPF, conforme autoriza a Solução de Consulta nº 3008/24, desde que ele mantenha a guarda de toda a documentação que comprove os efetivos reembolsos.

O problema que ocorre na prática é que se o sócio informar essa despesa em seu IRPF, muito provavelmente essa declaração cairá na malha fina, já que a Receita Federal não consegue cruzar automaticamente as informações repassadas pela operadora (relativas ao CNPJ da empresa) com as informações declaradas no IRPF (relativas ao CPF do sócio). Nesse caso, seria necessário apresentar toda a documentação comprobatória para a Receita Federal liberar a declaração da malha fina.

Se a contabilidade não for realizada de forma adequada ou os sócios da empresa não mantiverem a guarda de toda a documentação comprobatória, pode ocorrer uma fiscalização e autuação por parte da Receita Federal.

Conclusão

Abrir uma empresa apenas para contratar um plano de saúde empresarial é uma prática que envolve diversos riscos.

Para algumas pessoas, a vantagem da redução de custo no curto prazo justifica os riscos envolvidos — para outras, não.

Por isso, é importante sempre contar com a ajuda de um bom corretor de seguros para explorar as melhores opções de planos de saúde para a sua família; e, em caso de dúvidas, consultar um advogado especializado para avaliar os riscos envolvidos no seu caso específico.

Se precisar abrir uma empresa, conte sempre com a Ozai Contábil!

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