Não existe na legislação uma definição precisa do que vem a ser “cargo de confiança“, mas existem alguns dispositivos legais esparsos que indicam certas características do empregado que exerce esse tipo de cargo diferenciado.
Na prática, em uma reclamação trabalhista, o juiz irá avaliar algumas características e elementos para determinar se o empregado exercia um cargo de confiança:
- dispensa do controle de jornada, por força do artigo 62, inciso II, da CLT;
- efetivo poder de mando, o qual se observa quando o empregado possui uma confiança destacada, podendo exercer alguns dos poderes do empregador, tendo influência direta na gestão da empresa;
- pagamento de uma gratificação de função de, no mínimo, 40% sobre o salário básico, retratando um padrão salarial diferenciado (parágrafo único do artigo 62 da CLT).
Nesse post, detalharemos cada uma destas características e suas repercussões nas relações de trabalho.
Dispensa do Controle de Jornada
O empregado que exerce cargo de confiança fica dispensado do controle de jornada de trabalho, não fazendo jus ao recebimento de horas extras ou compensação de jornada, desde que seu salário seja acrescido de uma gratificação de função de 40% (artigo 62, inciso II e § único da CLT).
Isso, contudo, não significa que o empregador deve desrespeitar habitualmente os limites constitucionalmente impostos (8 horas diárias e 44 semanais – artigo 7°, inciso XIII, da Constituição Federal).
Em outras palavras, ainda que não haja controle de ponto, o ideal é buscar sempre observar os limites legais, já que sendo habitualmente extrapolado tais limites, poderia se entender e questionar a existência de fraude à legislação trabalhista (artigo 9° da CLT) — isso porque é comum o empregador promover o empregado ao cargo de confiança, ainda que ele não cumpra os requisitos já apontados anteriormente, apenas com o objetivo de não controlar sua jornada de trabalho e, assim, deixar de pagar as horas extras habitualmente prestadas.
No caso de trabalho aos domingos e feriados, apesar de a CLT ser omissa em relação a esse ponto, a jurisprudência do TST entende que o empregado tem direito a receber o dia trabalhado em dobro, isso porque, ainda que o empregado não tenha controle de jornada, ele possui direito aos dias de descanso semanal remuneradonos (artigo 9° da Lei n° 605/49 e Súmula n° 146 do TST).
RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.015/2014. DOMINGOS E FERIADOS. EMPREGADO ENQUADRADO NO ART. 62, II, DA CLT. PAGAMENTO EM DOBRO. O Tribunal Regional negou provimento ao recurso ordinário do reclamante por entender que o empregado inserido na exceção do art. 62, II, da CLT, não faz jus aos domingos e feriados em dobro. Todavia, a jurisprudência desta Corte é no sentido de que o art. 62, II, da CLT, não obsta o direito do empregado ao pagamento em dobro pelo trabalho realizado aos domingos e feriados, porquanto o direito previsto nos artigos 7°, XV, da Constituição Federal e 1° da Lei 605/49 é assegurado a todos os trabalhadores indistintamente. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. (RR – 1231-06.2015.5.06.0144, 2ª Turma, Ministra Relatora DELAÍDE MIRANDA ARANTES)
Oportuno lembrar, ainda, que é necessário que sejam observados os intervalos de refeição (artigo 71 da CLT) e os repousos semanais remunerados (artigo 1° da Lei n° 605/49), visto que tais períodos são direito de todos os empregados de modo geral.
Poder de Mando
A legislação trabalhista prevê os seguintes graus de confiança, em ordem progressiva:
- confiança genérica, presente em todos os contratos de trabalho e que exige o mínimo de fidúcia por parte do empregador;
- confiança específica, destinada aos bancários (artigo 224 da CLT);
- confiança estrita, destinada aos diretores de grandes empresas ou companhias (artigo 499 da CLT);
- confiança excepcional, na qual se enquadra o gerente (inciso II do artigo 62 da CLT).
No caso do cargo de confiança, estamos falando de uma confiança excepcional.
Ou seja, o empregado detentor de um cargo de confiança, diferentemente do empregado comum, possui um grau maior de responsabilidade, o que muitos doutrinadores e juízes chamam de fidúcia destacada.
Essa confiança deve chegar ao ponto do empregado fazer, às vezes, o papel do empregador, ou seja, exercer alguns poderes que, via de regra, o empregador que realizaria (ex: admissões, demissões ou aplicações de penalidades).
Tais poderes podem ser concedidos por meio de mandato verbal, tácito ou expresso. Em outras palavras, a norma legal não impõe uma forma específica para a delegação de tais poderes aos empregados que possuem cargo de confiança.
Para configurar um cargo de confiança não basta somente a nomenclatura do cargo, é necessário que esteja presente o poder de gestão.
Isso porque o cargo de confiança está ligado diretamente à tomada de decisões que podem gerar impacto na gestão da empresa, por exemplo, poder para um empregado que exerce o cargo de gerente em admitir e demitir outros empregados, advertir ou suspender disciplinarmente seus subordinados, sem que precise de autorização direta do “dono da empresa”.
Logo, não é qualquer cargo que pode obter o enquadramento como cargo de confiança, nesse sentido, o próprio artigo 62, inciso II, da CLT traz a menção aos cargos de gerentes, assim considerados os que exercem cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto nesse artigo, os diretores e chefes de departamento.
Portanto, o trabalhador deve exercer um cargo de gestão que esteja diretamente ligado a funções diretivas da empresa.
Gratificação de Função
Um dos requisitos para caracterização do cargo de confiança é o padrão mais elevado na remuneração do trabalhador, conforme prevê o artigo 62 da CLT:
Parágrafo único. O regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento).
Dessa forma, para evitar discussões acerca da caracterização do cargo de confiança, recomenda-se o pagamento de uma gratificação de função de, no mínimo, 40% sobre o salário básico, separado do salário mensal, em rubrica própria, para evitar a alegação de salário complessivo, fato condenado pela justiça do trabalho (Súmula 91 do TST).
Por outro lado, o entendimento de Sérgio Pinto Martins (Comentários a CLT, editora Saraiva, 22ª edição) é contrário, visto que para ele não é preciso o pagamento da gratificação em separado, tendo em vista que o parágrafo único do artigo 62 da CLT traz a expressão “se houver”, bastando que o empregador demonstre que o trabalhador possui um padrão mais elevado de remuneração em relação aos demais empregados, que serão a ele subordinados.
Portanto, cabe ao empregador analisar as formas de remuneração do cargo de confiança apresentadas e tomar a decisão do que aplicará na sua empresa, levando em consideração os riscos apontados.
O adicional ao cargo de confiança é considerado como uma gratificação legal, seguindo o disposto do parágrafo único do artigo 62 da CLT. Desse modo, nos termos do § 1º do artigo 457 da CLT, as gratificações legais compõem o salário do empregado para todos os fins (i.e. INSS, FGTS, IRRF, reflexo nas férias e 13º, etc.)
Perda do Cargo de Confiança
Com a Reforma Trabalhista ocorrida em 2017, é possível que o empregado seja revertido à função que anteriormente exercia, perdendo assim o cargo de confiança, independentemente de justo motivo e do tempo que exerceu a respectiva função de confiança (artigo 468, § 2°, da CLT).
Uma vez destituído do cargo de confiança, o empregado perderá também a gratificação a ele inerente, uma vez que se trata de um salário condição.
Tal conduta não será caracterizada, em regra, como alteração prejudicial ao contrato, conforme expressamente autorizado pelo artigo 468, § 1°, da CLT.
Para que isso seja viabilizado, recomenda-se que o pagamento da gratificação seja realizado em separado do salário, ou seja, em rubrica própria, pois, do contrário, pode ser alegado prejuízo pelo empregado, além de ser levantada a alegação de salário complessivo e redução salarial.
Se desejar, entretanto, por livre vontade, ainda que haja a reversão do empregado ao cargo anterior, poderá manter o valor da gratificação de função caso deseje, pois não haverá prejuízo ao empregado.
Entretanto, é necessário ter atenção em relação aos demais empregados que ocupam a mesma função para a qual houve a reversão, visto que a manutenção da gratificação pode gerar questionamento de equiparação salarial, caso os requisitos estejam presentes.
Em contrapartida, caso o empregado já tenha sido contratado desde o início para o cargo de confiança, ou seja, o exercício de tal função não tenha advindo de promoções dentro do mesmo contrato de trabalho, não terá cargo para retornar caso perca o cargo de confiança, ficando assim inviabilizada a reversão.
Diante disso, há entendimentos no sentido de que seria necessária a rescisão contratual, pois ao colocar o empregado em função hierarquicamente inferior ensejaria o seu rebaixamento, conduta vedada pelo artigo 468 da CLT.
Transferência de Local de Trabalho
Conforme o artigo 469 da CLT, em regra, os empregados somente podem ser transferidos para outro local de trabalho, ensejando a mudança de domicílio, com a sua anuência.
Entretanto, os empregados que exercem cargo de confiança são uma exceção a essa regra, podendo ser transferidos de forma definitiva ou provisória, sendo dispensável sua concordância prévia.
Não obstante, apesar de não ser exigida a anuência do empregado, a jurisprudência tem entendido ser necessária a efetiva comprovação de necessidade do serviço, isso é, a necessidade de prestação de serviços do empregado ocupante de cargo de confiança no novo local de trabalho, sem a qual presume-se abusiva a conduta do empregador (Súmula n° 43 do TST).
Por fim, ainda que seja comprovada a necessidade do serviço do empregado de cargo de confiança e que seja efetuada a transferência; se essa for provisória, ainda assim o empregado fará jus ao pagamento de adicional de transferência de 25% sobre os salários, além do valor que já ganha a título gratificação de cargo de confiança (Orientação Jurisprudencial n° 113 da SDI-1 do TST).